Fertilidade e Reprodução Assistida

Infertilidade Conjugal

Estudos observacionais em comunidades religiosas isoladas nos EUA, onde a contracepção não é aceita, demonstraram que 60% dos casais normais engravidam em até 03 meses, 75 % em 06 meses, 85% em 01 ano e 93% em 02 anos. Disso derivou a mais conhecida orientação dos ginecologistas: esperar até 01 ano antes de rotular um casal como infértil e prosseguir com pesquisas invasivas.

Sabe- se ainda que os espermatozóides vivem de 03 a 05 dias no trato genital feminino, e que os óvulos vivem apenas por 12- 24 horas após a ovulação. Neste sentido, concluímos que para a maioria dos casais, a simples orientação de intercurso sexual duas vezes por semana pode evitar maiores cargas de estresse e pode ser extremamente útil.

As principais causas de infertilidade

Incluem disfunção hormonal/ovulatória (20-40%), patologias tubária e peritoneal (30-40%) e fatores masculinos (30-40%). Patologias uterinas raramente são causas de infertilidade e o restante são causas inexplicáveis (“casais de infertilidade sem causa aparente”).

Avaliação deve ser oferecida a todos os casais que deixaram de conceber depois de um ano de intercurso desprotegido, mas um ano de infertilidade não é pré-requisito para avaliação. Avaliação mais cedo é justificada com mulheres com distúrbios menstruais, histórico de outras doenças pélvicas e parceiro com problema seminal já conhecido. Avaliação imediata, sem esperar um ano, pode ser interessante em mulheres de 32 anos e é imperativa nas acima de 35 anos, pois aqui um ano de espera pode fazer diferença.

Quando se analisa o fator hormonal na mulher, é muito importante discorrer sobre o papel da idade feminina. Aqueles estudos observacionais em populações nativas sugerem que a fertilidade chega ao pico entre 20-24 anos, diminui relativamente pouco até aproximadamente 30- 32 anos, e a seguir declina progressivamente, chegando a ser 95% mais baixa entre 40-45 anos. Aos 45 anos, a chance de uma mulher engravidar espontaneamente ou com FIV (fertilização in vitro) é próxima a 0%. As taxas de FIV (popularmente chamada de “bebê de proveta”) também declinam com a idade. Aumentam também as taxas de abortamento e taxas de recém-nascidos com malformação. A taxa de abortamento antes dos 30 anos é de 13% e após os 35 anos chega até 28%, atingindo a taxa de aproximadamente 50% após os 40 anos.

O avanço da idade feminina

Com o tempo, o óvulo torna- se menos propenso a completar o seu amadurecimento celular sob a ação hormonal, menos propenso a permitir a fertilização pelo espermatozóide, mais susceptível a não parear corretamente seu material genético com o do espermatozóide, mais propenso a gerar embrião defeituoso, que tem maior dificuldade em se implantar na parede uterina e maior chance de abortamento. Sem falar da maior chance de fetos com malformação genética, como Síndrome de Down por exemplo.

A idade parece não ter nenhum efeito adverso sobre o útero. Mesmo as patologias uterinas (miomas, adenomiose e pólipos) não exercem efeitos adversos quando pequenos, demonstrando problemas apenas quando graves, e mesmo assim não na fertilidade, e sim em abortamento (assunto que também é polêmico).

Mesmo a idade feminina sendo por si só o principal fator prognóstico, é possível estudar a “reserva ovariana” através de exames, ou seja, avaliar a capacidade ovulatória independente da idade, o que é importante inclusive para traçar prognóstico de sucesso para o casal, o que pode ajudá-los a tomar uma decisão quando confrontados com os custos de tratamento. Os principais exames são a dosagem dos hormônios FSH, LH e estradiol (que devem ser feitos no terceiro dia do ciclo natural), dosagem do hormônio anti-mulleriano, contagem de folículos ovarianos pela ultrassonografia e mensuração do volume ovariano pela ultrassonografia. Mas é interessante notar que a simples informação de ciclos menstruais regulares referida pela paciente praticamente descarta problemas hormonais.

A idade também é fator de queda da fertilidade masculina, onde se observa decréscimo já a partir dos 30 anos. Porém, isso não tem o peso determinante que a idade feminina tem do ponto de vista prático.

Fatores ambientais

É documentada a ação da obesidade feminina na gênese de problemas hormonais (incluindo tireóide e Síndrome dos ovários policísticos), além do tabagismo (mesmo o passivo), álcool (mais de quatro doses semanais) e por último a cafeína (mais de 250 mg/ dia). O casal deve ser orientado a cessar qualquer destes fatores, embora a verdade é que faltam pesquisas para confirmar o real impacto dessas medidas.

Devem ser realizados, antes de qualquer ação, exames de rotina habituais na mulher, incluindo Papanicolau, sorologias para toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e DSTs. Algumas DSTs, incluindo gonorréia e clamídia, podem ser responsáveis por obstrução das tubas uterinas e conseqüente infertilidade. Embora o real impacto seja difícil de precisar em relação ao papel de corrimentos vaginais na infertilidade, os mesmos devem ser prontamente tratados.

Sobre as tubas uterinas, responsáveis pelo transporte do óvulo do ovário até o útero, as principais causas de transtornos são a endometriose e as infecções. Sua avaliação é particularmente difícil, pois não pode ser vista ao ultrassom e na ressonância magnética. Os exames disponíveis para seu estudo é a Histerossalpingografia, onde se injeta contraste via vaginal e realiza-se uma série de Raio-X, e a Laparoscopia, onde pode-se verificar a existência de lesões por visão direta e prontamente corrigi-las. As patologias tubárias podem ser tratadas cirurgicamente ou, a depender do grau de lesão e da idade da paciente, prosseguir diretamente para a FIV. Com a melhora das técnicas de reprodução assistida, hoje as melhores taxas de gravidez, nos casos de fator tubário, são obtidas com FIV, e não com cirurgia, de modo que reserva-se a cirurgia para os casos de aderências brandas e obstrução tubária distal leve, que sabidamente melhorarão, ou para os casais que não podem recorrer à FIV por questões financeiras. Na verdade, os casos devem ser individualizados para se tomar a melhor decisão.

Novamente em relação ao útero, patologias no mesmo são causas incomuns de infertilidade. Miomas submucosos, pólipos e cicatrizes (sinéquias) no interior da cavidade endometrial (interior do útero) devem se retirados por histeroscopia cirúrgica, mesmo com discutível importância. Mas patologias na parede, como miomas intramurais e adenomiose, são rodeados por controvérsias ainda. A decisão nestes casos, sobre cirurgia ou não, deve considerar o número e localização dos miomas, idade da mulher, duração e outros fatores de infertilidade. Por último, vale aqui a menção sobre as mulheres que têm úteros volumosos por múltiplos miomas ou até mesmo que não têm útero por retirada cirúrgica ou ausência congênita. Nestas, pode se realizar uma FIV com posterior transferência do embrião para o útero de uma receptora, uma “barriga de aluguel”.

Fator masculino

A análise inicial é o Espermograma. Este exame dá praticamente todas as informações necessárias, e quando normal, é provável que nenhum outro exame seja necessário. Quando alterado, deve- se prosseguir a pesquisa com análise hormonal, avaliação genética e ultrassonografia. Varicocele é achado comum e pode ser responsável por parâmetros seminais ruins, devendo ser tratado cirurgicamente quando paciente é jovem, apresenta-se de forma grave ao ultrassom e quando a alteração seminal é importante. Mas em pacientes de idade superior a 30 anos, os resultados pós-cirurgia não costumam ser bons como em pacientes jovens. Problemas hormonais devem ser tratados com tratamento medicamentoso e problemas genéticos merecem abordagens específicas a depender do cromossomo/gene afetado.

Nos homens com alteração seminal, quando se verifica que o problema não é passível de simples resolução cirúrgica ou medicamentosa, recorre-se inevitavelmente a uma inseminação artificial (quando o problema é leve) ou, na falha desta ou quando a alteração é muito grave, realiza- se uma FIV. Por último, nos casos de vasectomia prévia, ou reverte-se cirurgicamente a mesma (os resultados são piores após 10 anos de vasectomia) ou parte-se diretamente para a FIV. Aqui, os casos devem ser individualizados quanto ao desejo do paciente. Não é incomum alterações seminais graves onde é impossível obter espermatozóide via ejaculação; neste caso, assim como no vasectomizado que opta pela não reversão, o único modo de se obter espermatozóides é via punção de epidídimo ou testículo.

Os tratamentos variam de acordo com a patologia, tempo de infertilidade e idade da mulher. Em linhas gerais, quando temos simplesmente um distúrbio hormonal na mulher, receitam-se hormônios chamados indutores de ovulação, que podem ser comprimidos ou injeções. Durante seu uso, a mulher é submetida a ultrassonografias seriadas a cada 02 dias para se verificar o crescimento dos folículos ovarianos. Quando se concluiu que os mesmos estão “maduros”, receita-se a última injeção hormonal que desencadeia a ovulação em 36 horas, momento este que o casal deverá ter relação sexual. Esta modalidade de tratamento chama- se coito programado. Mas quando temos um fator masculino leve, deve ser feita a Inseminação artificial intra-útero. Neste procedimento, realiza- se a indução de ovulação da mesma forma, mas no momento da ovulação, ao invés de relação sexual, coloca-se o sêmen (após preparo e enriquecimento no laboratório) através de cateter específico na cavidade uterina, próximo aos óstios tubários. Mas quando estes procedimentos falham, existe problema tubário grave, alteração seminal grave, ou o casal simplesmente opta em iniciar o tratamento pelo método mais eficaz, realiza- se a FIV.

FIV

Na FIV, a mulher também receberá vários hormônios para induzir e outros para controlar o eixo hormonal, porém em posologias diferentes daquelas usadas nos métodos de baixa complexidade. Quando os óvulos estão “maduros”, a paciente é levada ao centro cirúrgico, recebe sedação e através de uma agulha acoplada ao transdutor ultrassonográfico, perfura-se o fundo vaginal e aspira-se os óvulos nos ovários. No laboratório, os mesmos são fertilizados pelos espermatozóides e colocados na “incubadora”. Com no máximo 05 dias de vida, os embriões são transferidos para o interior do útero, com o uso de cateter específico e sem necessidade de sedação. Durante estes dias anteriores à transferência é quando se pode realizar exame genético nos embriões, com a possibilidade de não transferência de embriões defeituosos.

Os maiores riscos de FIV, para a mulher, são a Síndrome da hiperestimulação ovariana (decorrente das doses maciças de hormônio que são administradas à paciente), onde se criam modificações metabólicas extremas que levam até a falência renal e coagulação intravascular disseminada, e a segunda complicação possível é a hipergemelaridade, decorrente da transferência de vários embriões. Por estes motivos, os ciclos de FIV só deveriam ser conduzidos por médico treinado em reprodução assistida.

Hoje, existe legislação específica para o uso de técnicas de reprodução assistida, o que é interessante para trazer uniformidade nas condutas e com isso maior segurança para a paciente. A última normativa brasileira é de 2013, e o tópico mais importante se refere ao número de embriões a serem transferidos, sendo no máximo 02 embriões até 35 anos, 03 embriões de 36 a 39 anos e 04 embriões acima dos 40 anos. Determinou-se também que as “barrigas de aluguel” podem ser apenas parentes e de até 4º grau, pode-se utilizar as técnicas de reprodução assistidas em solteiros e em casais homoafetivos e que embriões congelados podem ser descartados após 05 anos, se esta for a vontade dos pacientes. Pode-se ainda utilizar óvulos e sêmen de doadores. Porém determinou-se que a idade limite para uma mulher se submeter a qualquer tratamento é de 50 anos.

A moderna avaliação da infertilidade mudou o foco, sendo antes a necessidade de se fazer um diagnóstico específico, para hoje focar nos testes mais eficientes e com bom custo/benefício. O tratamento mudou também seu objetivo, sendo que antes focava na correção sistemática de cada fator identificado, para hoje objetivar a aplicação da técnica mais eficiente em se atingir a gravidez. Todo este texto é um pequeno guia para nortear os pacientes que passam pela aflição da infertilidade. Cada um dos tópicos aqui apresentados é amplo e objeto de milhares de estudos. Seria contraproducente detalhar ao extremo cada um dos assuntos aqui. O objetivo deste link é trazer um pouco de conhecimento e orientação para aqueles que não estão assistidos por um profissional de reprodução humana.